Abaixo segue um conto de minha própria autoria. O conto tem bastante suspense e terror, para aqueles que gostam, talvez apreciem, acho que vale a pena perder um tempinho, rssss.
Este meu conto ficou em terceiro lugar no desafio DTRL21 (Desafio do Terror do Recanto das Letras), que trata-se de um desafio do site Recanto das Letras, onde diversos contos são postados e concorrem para serem votados. Abaixo o link do desafio: http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5212252
Os ratos
Os ratos tornavam-se maiores a cada dia pensou
Roger, as proporções de muitos deles eram assustadoras; quantos anos teriam os
mais velhos? Não mais que três ou quatro, é certo, pois não vivem tanto estes
animais imundos. Há cerca de dois anos alugara a casa, e os ratos já eram inquilinos
daquela pocilga, não seria absurdo que alguns houvessem prolongado sua
existência até aquele momento. O ambiente era propício à proliferação de
pragas, a casa era antiga, ou para fazer justiça, velha, as paredes possuíam
rachaduras assustadoras, e, em diversos pontos eram ocas, percebera pelo som
que produziam em resposta ao toque de suas mãos. Apenas dois pequenos cômodos e
um banheiro, estes constituíam quarto e cozinha, o que atendia Roger sem proporcionar
grandes privações. No entanto as paredes não eram o único problema, o piso
encontrava-se destruído, em muitos locais a cerâmica soltara, expondo o
contrapiso, e não era incomum escutar estranhos ruídos às vezes, acima ou
abaixo, quase sempre indicando que algum roedor estava a passear pelo sótão, ou
pelos encanamentos do esgoto.
Mas todas aquelas condições Roger propusera-se a
aceitar (muito embora só viesse a tomar conhecimento de muitas delas depois de
estar instalado no local), pois seu orçamento era baixo, e o valor do aluguel
parecera muito atraente, ademais suas exigências eram simples: apenas um
aposento para descanso e onde pudesse estudar nas horas vagas sem ser
perturbado. Mudara-se para aquele casebre unicamente pelo seu posicionamento em
relação à faculdade, na qual cursava o terceiro ano do bacharelado em Física, e
tinha por certo que, se tudo corresse bem, ao findar do quarto dali partiria o
mais rápido possível, de modo a livrar-se daquele ambiente desagradável e
imundo e escapar àqueles tétricos ruídos noturnos que o atormentavam. No
entanto agora os ratos cresciam perigosamente, e isso o preocupou...
Em uma noite chuvosa, depois de duas horas
debruçado sobre um desgastado volume de “Fundamentos de Física – Halliday &
Resnick”, analisando terríveis conceitos de eletromagnetismo, ao perceber que
as componentes das fórmulas começavam a dançar em suspensão a sua frente, decidiu
ceder à atração fatal que sua cama já há algum tempo exercia sobre ele. O
relógio da parede, um modelo antiquíssimo, moldado em madeira mogno, e com o
mostrador interno já obscurecido e parcialmente corroído pelo tempo, mostrava
através de algarismos romanos uma hora e quinze da madrugada, Roger então se
deitou e adormeceu. A noite avançou silenciosa
até que, em certo momento, sem reconhecer de imediato por qual motivo,
despertou, e ainda sonolento, acendeu o abajur e olhou para o relógio, eram duas
e quarenta e cinco. “Por todos os diabos”, pensou, “Dormi pouco mais de uma
hora, se meu sono continuar assim ao amanhecer estarei péssimo”. Foi quando
percebeu o porquê de seu despertar, estranhos ruídos mostravam que havia
movimento noturno no sótão. Ouvia-se o arranhar tão característico das patas daqueles
malignos roedores, velhos conhecidos seus. “Malditos”, ruminou Roger,
“Descansam durante o dia e reservam a noite para seus propósitos imundos”. E
com este pensamento virou-se na cama e intentou pegar no sono novamente. Mas
estava escrito que, naquela noite, o descanso não lhe seria facilmente
concedido, pois o sabá diabólico dos ratos no sótão pareceu aumentar, tornando
o ruído de tal forma incômodo que resolveu investigar. Foi até o quintal,
apanhou a escada dobrável e colocou-a no canto de seu quarto, aquele que ficava
à frente e à esquerda de sua cama. Acima daquele local, no teto, havia um
pequeno acesso ao sótão, composto por uma espécie de alçapão de madeira preso
por duas dobradiças de ferro. Empurrou o alçapão e este ao recuar despejou uma
camada de pó pelas laterais, parte da qual caiu sobre seu corpo. Amaldiçoou mais
uma vez tanto aquela praga infernal de ratos, quanto à megera da proprietária
que não oferecera um mínimo de cuidado que fosse a casa, deixando que chegasse
a este lastimável estado de desleixo. Não era de admirar-se que a locara tão
barato. Projetou-se pelo pequeno espaço quadrado na laje e fitou a escuridão, não
sem notar, com certa apreensão, que os ruídos haviam cessado completamente. Aos
poucos seus olhos foram se acostumando às trevas, percebeu que o conteúdo do
sótão resumia-se a alguns móveis velhos, uma máquina de costura, um colchão
completamente esfarrapado e caixas de papelão. De onde estava revirou alguns
objetos que estavam ao seu alcance e, satisfeito por não notar movimento ou
ruído algum em resposta, desceu ao piso. Após remover a escada para fora da
casa, resolveu deitar-se novamente, não antes, contudo, de ponderar sobre a
inteligência maligna que estranhamente aqueles animais pareciam demonstrar em
certas ocasiões.
Adormeceu novamente, caindo em um sono profundo. Desta
vez, quando acordou, um tremor percorreu seu corpo, se devido a uma típica corrente
de ar frio, ou por força de alguma causa menos palpável não se sabe, o fato é
que, mesmo o quarto estando na mais completa e silenciosa escuridão, algo o
desconfortava. Sentou-se na cama e, ao tocar os pés no chão, permaneceu imóvel
e em silêncio absoluto, tentando ouvir aquilo que imaginava deveria ser o
motivo do seu despertar. Nada escutou a princípio, porém, em seu estado de
concentração, notou, à sua frente, sob sua escrivaninha, dois olhos flamejantes,
imóveis, que espreitavam através da escuridão em sua direção. Estremeceu, pois
à altura em que estavam aqueles olhos, não podiam ser o que ele temia,
impossível, só se fosse um dos enormes e estivesse apoiado sobre suas patas traseiras.
Dois pequeninos glóbulos de um vermelho demoníaco, não eram pensou, não podiam
ser de um daqueles horrendos ratos! Foi então que o lampejo de uma ideia passou
em sua mente, “seria um felino?”, estaria justificado o seu tamanho, mas não,
nenhum gato com aquelas proporções seria dotado de olhos tão minúsculos... “Preciso
afastar esse animal, já não basta o sótão agora aqui, em meu próprio quarto”. Levantou-se
então vagarosamente, a figura à sua frente permaneceu, para sua surpresa,
imóvel, deu então um passo à frente com firmeza em direção àqueles olhos, foi
então que, horror dos horrores! A besta ergueu-se pavorosamente em suas patas
traseiras e soltou um guincho arrepiante deixando seus dentes afiados à mostra
em sinal de ameaça, Roger estancou, sentiu uma gota de suor escorrer por sua
fronte, e no instante seguinte, num salto provocado pelo terror lançou-se ao
interruptor e acendeu as luzes do quarto. Imediatamente voltou seu olhar para a
escrivaninha, já não mais lá estava aquilo, tudo que conseguiu ver foi uma
enorme massa cinzenta deslocando-se para a cozinha, correu para lá, mas nada
conseguindo encontrar presumiu que o animal havia fugido.
Resolveu tomar um banho para aliviar seu corpo da
tensão que passara, pois sentia os músculos retesados e percebeu que estava
banhado em suor. Apenas mais dois fatos são dignos de nota nesta noite, o
primeiro deles foi que ao voltar para cama após o banho, notou, ao olhar para o
acesso ao sótão no teto, que havia esquecido o alçapão aberto, rapidamente o
fechou e irritou-se consigo mesmo por esse deslize; o segundo, mais
precisamente uma idéia, na qual Roger concluiu que ao fim do mês comunicaria à
senhoria que não mais seria seu inquilino.
Cabe aqui considerarmos que, enquanto a alguns dos
fracos e débeis seres que povoam esta terra, mesmo em sua inexorável
insignificância, concede-se levar a cabo, parcialmente ou em sua totalidade,
seus intentos, sejam estes para o bem ou para o mal; a outros menos afortunados
esta nobre permissão é, muitas vezes sem justificativa alguma, negada. Roger,
embora ainda não suspeitasse de tal, teria de lutar com todas as suas forças para
firmar-se no primeiro grupo e fazer a sua sorte, ou melhor, destino.
E foi assim que na noite de 30 de Abril de 19.. foi
mais uma vez despertado de seu sono por ruídos que já lhe eram de todo
familiares. Levantou-se e foi à cozinha para um copo d’água, ao retornar a sua
cama, em silêncio, notou algo estranho naquela medonha e sinistra sinfonia: um
ruído distinto, como se fosse o som de algo sendo revirado, algo sendo
esmiuçado... Resolveu investigar. Munido de escada e lanterna ergueu o alçapão
de acesso ao sótão. Um odor nauseabundo e fétido invadiu suas narinas de modo
que precisou apoiar-se na laje por um instante! “Por Deus, há algo podre
aqui!”, pensou Roger “O que esses malditos vermes andaram aprontando?”. Perpetrou
o negrume do sótão com sua lanterna e, ao apontá-la para um dos cantos percebeu
uma movimentação súbita de um sem número daquela praga, talvez dez ou mais, que
estavam amontoados naquele recanto e foram afugentados pela luz. Aproximou-se
devagar do local onde os ratos estavam, certo de que dezenas de olhos
peçonhentos acompanhavam-no. Confirmou suas suspeitas, dali provinha aquele
odor repulsivo que sentira, o cadáver putrefato e parcialmente carcomido de um
gatuno era sua fonte, porém o que o assustou foi o tamanho do bichano, era enorme!
Passada a surpresa ponderou sobre como os ratos teriam trazido o cadáver até o
sótão, só poderiam ter vindo por cima, pois era muito pesado, de forma que
passou a inspecionar o telhado; não demorou muito encontrou um ponto em que
duas das telhas de barro romanas haviam se soltado! Não notou nada de anormal
com as telhas, estavam intactas, recolocou-as em seu devido lugar. Não deviam
estar soltas há muito tempo, pensou, pois se assim o fosse já teria notado
alguma infiltração de água pelo teto. Resolveu abandonar aquele antro odioso,
porém precisava remover o cadáver do bicho, ali no sótão serviria apenas para
alimentar ratos e vermes, o que não era de seu interesse, e logo também aquele
cheiro pestilento logo se espalharia pela casa. Lançou mão de uma das caixas de
papelão que estava próxima e com as mãos envoltas em alguns trapos colocou o
bichano dentro, ou o que restava dele, depois do banquete daquelas ratazanas. Começou
a arrastar a caixa atrás de si, ouviu ruídos, parou... silêncio... deu mais um
passo, som de patas apressadas, estancou... “Não desejam abandonar a presa os
nossos colegas” meditou, “É um banquete e tanto certo?”, “Eu também não
desistiria tão facilmente de todo esse alimento, meus caros”, falou e riu nervosamente
consigo mesmo por dentro. O suor escorria aos borbotões e parecia pesar e colar
sua roupa ao corpo “como era abafado o sótão!” e com estes pensamentos não
resistiu à tentação e virou sua cabeça em direção à escuridão atrás de si, sem
direcionar a lanterna, e assim ficou, alguns instantes, a contemplar aquele
negror, intenso e profundo, que aos poucos foi sendo povoado por pequenos
pontos carmesim, milhares deles, distantes, estáticos, porém o sabia Roger, opressores
e prontos a atacar a qualquer momento, para reaver sua presa! Disparou em
direção à abertura para o pavimento inferior, porém quando estava à beira algo
roçou por entre suas pernas e o fez tropeçar, algo sinistro, ágil e coberto de
pelos, Deus! Algo hediondo! Sabia de que se tratava, e esse era dos grandes,
pensou, um calafrio percorreu sua espinha, mergulhou pela fatídica abertura.
* * *
Despertou com a visão turva e com a impressão de
que sua cabeça iria explodir, porém, ao aspirar novamente o cheiro terrível dos
restos carcomidos do felino, de imediato recobrou consciência de sua situação.
Notou que a carcaça do bichano havia caído ao seu lado e estava ainda
parcialmente dentro da caixa usada para seu transporte. Os ratos se
banqueteavam, monstruosidades famintas, arrancavam nacos do pouco que ainda
restava do infeliz animal, pareciam não ter pressa, absortos a tudo em sua
volta, perfeitos habitantes da escuridão.
E foi então que percebeu, no piso junto à parede,
empoleirado, sinistro, com o olhar fixo sobre ele, aquele era descomunal! Sem
dúvida a maior de todas aquelas feras, certamente o mesmo que o desafiara
naquela noite chuvosa e arreganhara aqueles dentes horríveis. Mas desta feita a
ratazana permaneceu imóvel, parecia discernir a angústia no rosto de Roger, sua
situação inferiorizada e miserável, não se alimentava, como os outros, da
mísera carcaça do gato, parecia aguardar por algo que se equiparasse ao seu
apetite... algo mais, como podemos dizer... substancial!
Roger tentou levantar-se, uma dor lancinante
atravessou sua perna, levou a mão até o local, percebeu um osso exposto, começara
a contabilizar as consequências de sua queda. Outra dor localizada no abdômen
incomodava-o, percebeu que também havia sangramento ali, certamente algum
objeto pontiagudo perfurara a região, talvez a lanterna ou algum dos pertences
de sua mobília, sentia a boca seca, uma sede mortal torturava-o. Pensou em como
as coisas chegaram àquele ponto, haveria ele subestimado o problema? Começou a
se arrastar em direção à cozinha, “preciso sair daqui imediatamente”, pensou,
“Este animais são tão ou mais diabólicos que imaginei”. Ganhou alguns
centímetros, os ratos silenciaram, em seguida algo perfurou seu pé, soltou um
grito, mas nada pode fazer, era o pé pertencente à perna fraturada. Voltou a se
arrastar novamente, sentia-se em uma selva com o inimigo a caça-lo. Algo o
abocanhou, “Por Deus possuía a foça de uma torquesa”, mas dessa vez conseguiu
revidar com um golpe de pernas. Continuou
a arrastar-se, um vulto deslizou ao seu lado, tremeu, vacilou, gemeu. Sentiu um
peso sobre os ombros, a dor na perna era insuportável, sentiu suas forças
fraquejarem, a visão parecia tornar-se turva, já percorrera alguns metros, era
certo, precisava continuar, estava nos limites da exaustão, num esforço
sobre-humano avistou a porta da cozinha que dava para a rua, estendeu os braços
e a tocou...
* * *
Era uma manhã gélida na Rua Akron, por volta das
sete horas, não havia vento forte, apenas uma corrente de ar úmida acariciava o
rosto dos transeuntes. Pouco, ou quase nenhum movimento era comumente percebido
naquele horário. Reinava um silêncio espectral ocasionado pela forte neblina
que o clima trazia consigo. E foi nestas condições que os passos abafados da
Sra. Lamberg quebraram aquele agradável silêncio, Ah! A beleza do silêncio! A
sua sabedoria! No seu profundo parece falar consigo! Mas deixemo-lo, não
devemos perturbá-lo. Voltemos ao propósito daquela senhora, que era dos mais
inexpugnáveis, receber o aluguel. Ela era sempre pontual, ao dia primeiro de
cada mês e aquele rapaz era bom pagador.
Caminhou até a porta da frente e fez soar a campainha,
ouviu alguns ruídos indistintos, aguardou. Novamente tocou a campainha, sem
resposta. Um comportamento estranho, era comum Roger esperá-la com o pagamento
em mãos a cada início de mês, conforme combinado. “Deve ter passado a noite
fora, esses universitários... ao menos esse não seria médico” pensou aliviada. Aquele
clima frio não era nada benéfico para seus pulmões, de forma que não tencionava
prolongar sua exposição ao tempo frio e deu a volta pela lateral da casa. Olhou
pelo vitrô da cozinha, nada pode ver, a neblina embaçara todo o vidro, o
interior era nada mais que um borrão. Voltou à entrada e resolveu experimentar
a maçaneta, estava trancada, retirou da bolsa sua cópia da chave e colocou-a na
fechadura “se estiver dormindo terei o prazer em acordá-lo, nunca mais deixará
uma senhora plantada em sua porta, isso lá são modos!”. Ouviu o estalar do
fecho, girou a maçaneta, a porta pesou sobre seu braço já enfraquecido pelos
anos, abrindo-se para fora, como se algo a forçasse por dentro. Sentiu alguma
coisa tocar suas pernas, baixou o olhar e a princípio não percebeu o que
acontecia, sua mente estava confusa, não entendia...
Em um instante seu coração parou, no seguinte
voltou a bater com toda a força, como pulsara nos distantes anos da sua
juventude e todas as suas cordas vocais vibraram com assustadora vitalidade de
forma a emitir um grito medonho e pavoroso, pois ali, aos seus pés, estavam, em
um monturo, como os despojos de uma guerra, os restos do que um dia fora o seu
inquilino.
Marco Roberto de Oliveira
Nenhum comentário:
Postar um comentário