Tema do blog



Embora minha principal intenção seja publicar material relativo à literatura e ao cinema fantásticos, o blog poderá apresentar também materiais de cunho diversos, alguns dos quais acho interessantes de uma forma geral, portanto não estranhem se encontrarem algo fora do tema principal.
Se ao menos uma pequena parte que seja do conteúdo do blog contribuir, de alguma forma, para a divulgação das múltiplas e ricas facetas da literatura fantástica, de horror ou sobrenatural, o blog terá cumprido seu principal propósito.


segunda-feira, 20 de abril de 2015

Os ratos - Marco R. Oliveira


Abaixo segue um conto de minha própria autoria. O conto tem bastante suspense e terror, para aqueles que gostam, talvez apreciem, acho que vale a pena perder um tempinho, rssss.
Este meu conto ficou em terceiro lugar no desafio DTRL21 (Desafio do Terror do Recanto das Letras), que trata-se de um desafio do site Recanto das Letras, onde diversos contos são postados e concorrem para serem votados. Abaixo o link do desafio: http://www.recantodasletras.com.br/contosdeterror/5212252





Os ratos

Os ratos tornavam-se maiores a cada dia pensou Roger, as proporções de muitos deles eram assustadoras; quantos anos teriam os mais velhos? Não mais que três ou quatro, é certo, pois não vivem tanto estes animais imundos. Há cerca de dois anos alugara a casa, e os ratos já eram inquilinos daquela pocilga, não seria absurdo que alguns houvessem prolongado sua existência até aquele momento. O ambiente era propício à proliferação de pragas, a casa era antiga, ou para fazer justiça, velha, as paredes possuíam rachaduras assustadoras, e, em diversos pontos eram ocas, percebera pelo som que produziam em resposta ao toque de suas mãos. Apenas dois pequenos cômodos e um banheiro, estes constituíam quarto e cozinha, o que atendia Roger sem proporcionar grandes privações. No entanto as paredes não eram o único problema, o piso encontrava-se destruído, em muitos locais a cerâmica soltara, expondo o contrapiso, e não era incomum escutar estranhos ruídos às vezes, acima ou abaixo, quase sempre indicando que algum roedor estava a passear pelo sótão, ou pelos encanamentos do esgoto.
Mas todas aquelas condições Roger propusera-se a aceitar (muito embora só viesse a tomar conhecimento de muitas delas depois de estar instalado no local), pois seu orçamento era baixo, e o valor do aluguel parecera muito atraente, ademais suas exigências eram simples: apenas um aposento para descanso e onde pudesse estudar nas horas vagas sem ser perturbado. Mudara-se para aquele casebre unicamente pelo seu posicionamento em relação à faculdade, na qual cursava o terceiro ano do bacharelado em Física, e tinha por certo que, se tudo corresse bem, ao findar do quarto dali partiria o mais rápido possível, de modo a livrar-se daquele ambiente desagradável e imundo e escapar àqueles tétricos ruídos noturnos que o atormentavam. No entanto agora os ratos cresciam perigosamente, e isso o preocupou...
Em uma noite chuvosa, depois de duas horas debruçado sobre um desgastado volume de “Fundamentos de Física – Halliday & Resnick”, analisando terríveis conceitos de eletromagnetismo, ao perceber que as componentes das fórmulas começavam a dançar em suspensão a sua frente, decidiu ceder à atração fatal que sua cama já há algum tempo exercia sobre ele. O relógio da parede, um modelo antiquíssimo, moldado em madeira mogno, e com o mostrador interno já obscurecido e parcialmente corroído pelo tempo, mostrava através de algarismos romanos uma hora e quinze da madrugada, Roger então se deitou e adormeceu.  A noite avançou silenciosa até que, em certo momento, sem reconhecer de imediato por qual motivo, despertou, e ainda sonolento, acendeu o abajur e olhou para o relógio, eram duas e quarenta e cinco. “Por todos os diabos”, pensou, “Dormi pouco mais de uma hora, se meu sono continuar assim ao amanhecer estarei péssimo”. Foi quando percebeu o porquê de seu despertar, estranhos ruídos mostravam que havia movimento noturno no sótão. Ouvia-se o arranhar tão característico das patas daqueles malignos roedores, velhos conhecidos seus. “Malditos”, ruminou Roger, “Descansam durante o dia e reservam a noite para seus propósitos imundos”. E com este pensamento virou-se na cama e intentou pegar no sono novamente. Mas estava escrito que, naquela noite, o descanso não lhe seria facilmente concedido, pois o sabá diabólico dos ratos no sótão pareceu aumentar, tornando o ruído de tal forma incômodo que resolveu investigar. Foi até o quintal, apanhou a escada dobrável e colocou-a no canto de seu quarto, aquele que ficava à frente e à esquerda de sua cama. Acima daquele local, no teto, havia um pequeno acesso ao sótão, composto por uma espécie de alçapão de madeira preso por duas dobradiças de ferro. Empurrou o alçapão e este ao recuar despejou uma camada de pó pelas laterais, parte da qual caiu sobre seu corpo. Amaldiçoou mais uma vez tanto aquela praga infernal de ratos, quanto à megera da proprietária que não oferecera um mínimo de cuidado que fosse a casa, deixando que chegasse a este lastimável estado de desleixo. Não era de admirar-se que a locara tão barato. Projetou-se pelo pequeno espaço quadrado na laje e fitou a escuridão, não sem notar, com certa apreensão, que os ruídos haviam cessado completamente. Aos poucos seus olhos foram se acostumando às trevas, percebeu que o conteúdo do sótão resumia-se a alguns móveis velhos, uma máquina de costura, um colchão completamente esfarrapado e caixas de papelão. De onde estava revirou alguns objetos que estavam ao seu alcance e, satisfeito por não notar movimento ou ruído algum em resposta, desceu ao piso. Após remover a escada para fora da casa, resolveu deitar-se novamente, não antes, contudo, de ponderar sobre a inteligência maligna que estranhamente aqueles animais pareciam demonstrar em certas ocasiões.
Adormeceu novamente, caindo em um sono profundo. Desta vez, quando acordou, um tremor percorreu seu corpo, se devido a uma típica corrente de ar frio, ou por força de alguma causa menos palpável não se sabe, o fato é que, mesmo o quarto estando na mais completa e silenciosa escuridão, algo o desconfortava. Sentou-se na cama e, ao tocar os pés no chão, permaneceu imóvel e em silêncio absoluto, tentando ouvir aquilo que imaginava deveria ser o motivo do seu despertar. Nada escutou a princípio, porém, em seu estado de concentração, notou, à sua frente, sob sua escrivaninha, dois olhos flamejantes, imóveis, que espreitavam através da escuridão em sua direção. Estremeceu, pois à altura em que estavam aqueles olhos, não podiam ser o que ele temia, impossível, só se fosse um dos enormes e estivesse apoiado sobre suas patas traseiras. Dois pequeninos glóbulos de um vermelho demoníaco, não eram pensou, não podiam ser de um daqueles horrendos ratos! Foi então que o lampejo de uma ideia passou em sua mente, “seria um felino?”, estaria justificado o seu tamanho, mas não, nenhum gato com aquelas proporções seria dotado de olhos tão minúsculos... “Preciso afastar esse animal, já não basta o sótão agora aqui, em meu próprio quarto”. Levantou-se então vagarosamente, a figura à sua frente permaneceu, para sua surpresa, imóvel, deu então um passo à frente com firmeza em direção àqueles olhos, foi então que, horror dos horrores! A besta ergueu-se pavorosamente em suas patas traseiras e soltou um guincho arrepiante deixando seus dentes afiados à mostra em sinal de ameaça, Roger estancou, sentiu uma gota de suor escorrer por sua fronte, e no instante seguinte, num salto provocado pelo terror lançou-se ao interruptor e acendeu as luzes do quarto. Imediatamente voltou seu olhar para a escrivaninha, já não mais lá estava aquilo, tudo que conseguiu ver foi uma enorme massa cinzenta deslocando-se para a cozinha, correu para lá, mas nada conseguindo encontrar presumiu que o animal havia fugido.
Resolveu tomar um banho para aliviar seu corpo da tensão que passara, pois sentia os músculos retesados e percebeu que estava banhado em suor. Apenas mais dois fatos são dignos de nota nesta noite, o primeiro deles foi que ao voltar para cama após o banho, notou, ao olhar para o acesso ao sótão no teto, que havia esquecido o alçapão aberto, rapidamente o fechou e irritou-se consigo mesmo por esse deslize; o segundo, mais precisamente uma idéia, na qual Roger concluiu que ao fim do mês comunicaria à senhoria que não mais seria seu inquilino.
Cabe aqui considerarmos que, enquanto a alguns dos fracos e débeis seres que povoam esta terra, mesmo em sua inexorável insignificância, concede-se levar a cabo, parcialmente ou em sua totalidade, seus intentos, sejam estes para o bem ou para o mal; a outros menos afortunados esta nobre permissão é, muitas vezes sem justificativa alguma, negada. Roger, embora ainda não suspeitasse de tal, teria de lutar com todas as suas forças para firmar-se no primeiro grupo e fazer a sua sorte, ou melhor, destino.
E foi assim que na noite de 30 de Abril de 19.. foi mais uma vez despertado de seu sono por ruídos que já lhe eram de todo familiares. Levantou-se e foi à cozinha para um copo d’água, ao retornar a sua cama, em silêncio, notou algo estranho naquela medonha e sinistra sinfonia: um ruído distinto, como se fosse o som de algo sendo revirado, algo sendo esmiuçado... Resolveu investigar. Munido de escada e lanterna ergueu o alçapão de acesso ao sótão. Um odor nauseabundo e fétido invadiu suas narinas de modo que precisou apoiar-se na laje por um instante! “Por Deus, há algo podre aqui!”, pensou Roger “O que esses malditos vermes andaram aprontando?”. Perpetrou o negrume do sótão com sua lanterna e, ao apontá-la para um dos cantos percebeu uma movimentação súbita de um sem número daquela praga, talvez dez ou mais, que estavam amontoados naquele recanto e foram afugentados pela luz. Aproximou-se devagar do local onde os ratos estavam, certo de que dezenas de olhos peçonhentos acompanhavam-no. Confirmou suas suspeitas, dali provinha aquele odor repulsivo que sentira, o cadáver putrefato e parcialmente carcomido de um gatuno era sua fonte, porém o que o assustou foi o tamanho do bichano, era enorme! Passada a surpresa ponderou sobre como os ratos teriam trazido o cadáver até o sótão, só poderiam ter vindo por cima, pois era muito pesado, de forma que passou a inspecionar o telhado; não demorou muito encontrou um ponto em que duas das telhas de barro romanas haviam se soltado! Não notou nada de anormal com as telhas, estavam intactas, recolocou-as em seu devido lugar. Não deviam estar soltas há muito tempo, pensou, pois se assim o fosse já teria notado alguma infiltração de água pelo teto. Resolveu abandonar aquele antro odioso, porém precisava remover o cadáver do bicho, ali no sótão serviria apenas para alimentar ratos e vermes, o que não era de seu interesse, e logo também aquele cheiro pestilento logo se espalharia pela casa. Lançou mão de uma das caixas de papelão que estava próxima e com as mãos envoltas em alguns trapos colocou o bichano dentro, ou o que restava dele, depois do banquete daquelas ratazanas. Começou a arrastar a caixa atrás de si, ouviu ruídos, parou... silêncio... deu mais um passo, som de patas apressadas, estancou... “Não desejam abandonar a presa os nossos colegas” meditou, “É um banquete e tanto certo?”, “Eu também não desistiria tão facilmente de todo esse alimento, meus caros”, falou e riu nervosamente consigo mesmo por dentro. O suor escorria aos borbotões e parecia pesar e colar sua roupa ao corpo “como era abafado o sótão!” e com estes pensamentos não resistiu à tentação e virou sua cabeça em direção à escuridão atrás de si, sem direcionar a lanterna, e assim ficou, alguns instantes, a contemplar aquele negror, intenso e profundo, que aos poucos foi sendo povoado por pequenos pontos carmesim, milhares deles, distantes, estáticos, porém o sabia Roger, opressores e prontos a atacar a qualquer momento, para reaver sua presa! Disparou em direção à abertura para o pavimento inferior, porém quando estava à beira algo roçou por entre suas pernas e o fez tropeçar, algo sinistro, ágil e coberto de pelos, Deus! Algo hediondo! Sabia de que se tratava, e esse era dos grandes, pensou, um calafrio percorreu sua espinha, mergulhou pela fatídica abertura.


* * *

Despertou com a visão turva e com a impressão de que sua cabeça iria explodir, porém, ao aspirar novamente o cheiro terrível dos restos carcomidos do felino, de imediato recobrou consciência de sua situação. Notou que a carcaça do bichano havia caído ao seu lado e estava ainda parcialmente dentro da caixa usada para seu transporte. Os ratos se banqueteavam, monstruosidades famintas, arrancavam nacos do pouco que ainda restava do infeliz animal, pareciam não ter pressa, absortos a tudo em sua volta, perfeitos habitantes da escuridão.
E foi então que percebeu, no piso junto à parede, empoleirado, sinistro, com o olhar fixo sobre ele, aquele era descomunal! Sem dúvida a maior de todas aquelas feras, certamente o mesmo que o desafiara naquela noite chuvosa e arreganhara aqueles dentes horríveis. Mas desta feita a ratazana permaneceu imóvel, parecia discernir a angústia no rosto de Roger, sua situação inferiorizada e miserável, não se alimentava, como os outros, da mísera carcaça do gato, parecia aguardar por algo que se equiparasse ao seu apetite... algo mais, como podemos dizer... substancial!
Roger tentou levantar-se, uma dor lancinante atravessou sua perna, levou a mão até o local, percebeu um osso exposto, começara a contabilizar as consequências de sua queda. Outra dor localizada no abdômen incomodava-o, percebeu que também havia sangramento ali, certamente algum objeto pontiagudo perfurara a região, talvez a lanterna ou algum dos pertences de sua mobília, sentia a boca seca, uma sede mortal torturava-o. Pensou em como as coisas chegaram àquele ponto, haveria ele subestimado o problema? Começou a se arrastar em direção à cozinha, “preciso sair daqui imediatamente”, pensou, “Este animais são tão ou mais diabólicos que imaginei”. Ganhou alguns centímetros, os ratos silenciaram, em seguida algo perfurou seu pé, soltou um grito, mas nada pode fazer, era o pé pertencente à perna fraturada. Voltou a se arrastar novamente, sentia-se em uma selva com o inimigo a caça-lo. Algo o abocanhou, “Por Deus possuía a foça de uma torquesa”, mas dessa vez conseguiu revidar com um golpe de pernas.  Continuou a arrastar-se, um vulto deslizou ao seu lado, tremeu, vacilou, gemeu. Sentiu um peso sobre os ombros, a dor na perna era insuportável, sentiu suas forças fraquejarem, a visão parecia tornar-se turva, já percorrera alguns metros, era certo, precisava continuar, estava nos limites da exaustão, num esforço sobre-humano avistou a porta da cozinha que dava para a rua, estendeu os braços e a tocou...


* * *

Era uma manhã gélida na Rua Akron, por volta das sete horas, não havia vento forte, apenas uma corrente de ar úmida acariciava o rosto dos transeuntes. Pouco, ou quase nenhum movimento era comumente percebido naquele horário. Reinava um silêncio espectral ocasionado pela forte neblina que o clima trazia consigo. E foi nestas condições que os passos abafados da Sra. Lamberg quebraram aquele agradável silêncio, Ah! A beleza do silêncio! A sua sabedoria! No seu profundo parece falar consigo! Mas deixemo-lo, não devemos perturbá-lo. Voltemos ao propósito daquela senhora, que era dos mais inexpugnáveis, receber o aluguel. Ela era sempre pontual, ao dia primeiro de cada mês e aquele rapaz era bom pagador.
Caminhou até a porta da frente e fez soar a campainha, ouviu alguns ruídos indistintos, aguardou. Novamente tocou a campainha, sem resposta. Um comportamento estranho, era comum Roger esperá-la com o pagamento em mãos a cada início de mês, conforme combinado. “Deve ter passado a noite fora, esses universitários... ao menos esse não seria médico” pensou aliviada. Aquele clima frio não era nada benéfico para seus pulmões, de forma que não tencionava prolongar sua exposição ao tempo frio e deu a volta pela lateral da casa. Olhou pelo vitrô da cozinha, nada pode ver, a neblina embaçara todo o vidro, o interior era nada mais que um borrão. Voltou à entrada e resolveu experimentar a maçaneta, estava trancada, retirou da bolsa sua cópia da chave e colocou-a na fechadura “se estiver dormindo terei o prazer em acordá-lo, nunca mais deixará uma senhora plantada em sua porta, isso lá são modos!”. Ouviu o estalar do fecho, girou a maçaneta, a porta pesou sobre seu braço já enfraquecido pelos anos, abrindo-se para fora, como se algo a forçasse por dentro. Sentiu alguma coisa tocar suas pernas, baixou o olhar e a princípio não percebeu o que acontecia, sua mente estava confusa, não entendia...
Em um instante seu coração parou, no seguinte voltou a bater com toda a força, como pulsara nos distantes anos da sua juventude e todas as suas cordas vocais vibraram com assustadora vitalidade de forma a emitir um grito medonho e pavoroso, pois ali, aos seus pés, estavam, em um monturo, como os despojos de uma guerra, os restos do que um dia fora o seu inquilino.

Marco Roberto de Oliveira


quinta-feira, 26 de março de 2015

Top 50 - Blog The black glover - Romances, coletâneas e antologias de horror

Compartilho com vocês a lista abaixo, publicada pelo blog The black glover, que cita 50 obras consideradas expoentes da literatura de horror e sobrenatural. Embora não seja uma lista de minha autoria ou que expresse totalmente meu gosto, percebi que há alguns livros nela que já li e também ao analisá-la considerei que é um a lista com bastante mérito e, portanto, pode contribuir para que aqueles que são, ou virão a se tornar adeptos deste maravilhoso mundo que é a literatura de horror/fantasia, tenham referências de boas leituras. Os livros destacados em itálico são os que já li, integral ou parcialmente (no caso de contos), aqueles que foram publicados no Brasil e que conheço o título em português este estará traduzido ao lado do título original em negrito.

50 - The turn of the screw by Henry james (1898) - A volta do parafuso












49. They Thirst - Robert R. McCammon (1981)

48. The Watchers by Dean Koontz (1987) - Intrusos












47. The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde by Robert Louis Stevenson (1886) - O médico e o monstro













46. The Stand by Stephen King (1978) - A dança da morte












45. The Shining by Stephen King (1977) - O iluminado












44. The Night Shift by Stephen King (1978) - Sombras da noite












43. The Lottery and Others by Shirley Jackson (1948)

42. The Light at the End by John Skipp and Craig Spector (1986)

41. The Keep by F. Paul Wilson (1981) - O fortim












40. The Island of Dr. Moreau by H.G. Wells (1896) - A ilha do Dr. Moreau












39. The Haunting of Hill House by Shirley Jackson (1959) - A assombração da casa da colina












38. The Fog by James Herbert (1975)

37. The Exorcist by William Peter Blatty (1971) - O exorcista












36. The Doll Who Ate His Mother by Ramsey Campbell (1976)

35. The Dark Descent by David G. Hartwell (1987-1990)

34. The Dark Country by Dennis Etchison (1982)

33. The Dark by James Herbert (1980)

32. The Damnation Game by Clive Barker (1985)

31. The Collected Works of Edgar Allan Poe (1832-1849) - (Diversos títulos)












30. The Collected Works of Ambrose Bierce by Ambrose Bierce (1842-1914) - (Diversos títulos)












29. The Collected Works of Algernon Blackwood (1889-1948) - (Diversos títulos)












28. The Collected Ghost Stories of M.R. James (1931)

27. The Cellar by Richard Laymon (1980)

26. The Book of the Dead and Book of the Dead: Still Dead edited by John Skipp and Craig Spector (1989-1992)

25. Tales of Horror and the Supernatural by Arthur Machen (1948) - (Diversos títulos)

24. Summer of Night by Dan Simmons (1991)

23. Song of Kali by Dan Simmons (1985) - A canção de Kali












22. Something Wicked This Way Comes by Ray Bradbury (1962) - (Diversos títulos)












21. Skeleton Crew by Stephen King (1985) - Tripulação de esqueletos












20. Salem's Lot by Stephen King (1975) - A hora do vampiro












19. Rosemary's Baby by Ira Levin (1967) - O bebê de Rosemary












18. Psycho by Robert Bloch (1959) - Psicose












 17. Phantoms by Dean Koontz (1983) - Fantasmas












16. Pet Semetary by Stephen King (1983) - O cemitério



 








15. October Country by Ray Bradbury (1955) - O país de Outubro












14. Lost Souls by Poppy Z. Brite (1992)

13. IT by Stephen King (1986) - A coisa












12. Interview With the Vampire by Anne Rice (1976) - Entrevista com o vampiro












11. I Am Legend by Richard Matheson (1954) - Eu sou a lenda












10. Hell House by Richard Matheson (1953) - A casa infernal












9. Ghost Story by Peter Straub (1979) - Os morto-vivos












8. Frankenstein by Mary Shelley (1818) - Frankenstein












7. Dracula by Bram Stoker (1897) - Drácula



6. Different Seasons by Stephen King (1982) - Quatro estações



 








5. Carrie by Stephen King (1974) - Carrie



 








4. Boy's Life by Robert R. McCammon (1991)

3. Books of Blood (1-6) by Clive Barker (1984-1986) - Os livros de sangue












2. At the Mountains of Madness and Others by H.P. Lovecraft (1936) - (Diversos)












1. All Heads Turn When the Hunt Goes By by John Farris (1977)

Por ser um blog norte-americano é massiva a presença de escritores daquele país, pouquíssimos são os nomes de fora, como Bram Stoker, Mary Shelley, M. R. James, H. G. Wells e Robert Louis Stevenson.  No entanto, embora tendenciosa,  a lista é válida, pois, conforme citei no início do post, não se trata de citar os melhores livros, até porque isto seria subjetivo e correlacionado ao gosto de cada um, no entanto há na lista escritores que são verdadeiros monstros da literatura de horror/fantasia (E. A. Poe, H. P. Lovecraft, Stephen King, Ray Bradbury, H. G. Wells, etc.), ou também obras fantásticas já consagradas pelo tempo e pelos leitores (Drácula, Frankenstein, O médico e o monstro, A volta do parafuso, etc.). Comentem se viram algum absurdo na lista, ou talvez algum escritor que merecia ter sido incluído e ficou de fora.

segunda-feira, 23 de março de 2015

M. R. James - O livro de recortes do Cônego Alberic

O primeiro conto de M. R. James a ser publicado, saiu em um periódico no ano de 1895, e posteriormente, em 1904, em sua primeira antologia (Histórias de fantasmas de um antiquário), é também o seu conto mais "antologizado", inclusive no Brasil. Um inglês, Dennistoun em viagem à França, visitando uma das catedrais daquele país com a intenção de realizar uma pesquisa histórica, entra em contato com uma obra antiga e rara, um livro de recortes. Dennistoun demonstra profundo interesse em adquirir a obra, e coincidentemente um Sacristão, que é o possuidor da mesma, aceita, de forma no mínimo suspeita, prontamente se desfazer do livro. Logo o negócio foi concretizado e o recibo assinado (como dito no próprio conto), e de posse do livro de recortes, Dennistoun descobre o teor de seu segredo, de uma forma aterrorizante; forma esta que os Srs. descobrirão por si mesmos se acompanharem o texto que vem logo abaixo.  

M. R. James - O livro de recortes do Cônego Alberic

Saint Bertrand de Comminges é uma cidade decadente nos contrafortes dos Pireneus, não muito longe de Toulouse e mais próxima ainda de Bagnères-de-Luchon. Fora a sede de um bispado até a Revolução e possuía uma catedral que era visitada por uma certa quantidade de turistas. Na primavera de 1883, um inglês chegou a esse lugar do mundo antigo — chamá-lo de cidade talvez fosse atribuir-lhe uma excessiva dignidade, pois seus habitantes não chegam a mil. Ele era um homem de Cambridge, que viera especialmente de Toulouse para ver a igreja de São Beltrão  e deixara dois amigos, arqueólogos menos apaixonados do que ele, em seu hotel em Toulouse, com a promessa de reunirem-se a ele na manhã seguinte. Meia hora na igreja lhes seria suficiente, e todos os três poderiam depois prosseguir sua jornada em direção a Auch. Mas nosso inglês viera cedo no dia em questão e propusera-se a encher um caderno e usar dezenas de ilustrações para descrever e fotografar cada canto da maravilhosa igreja que domina a colina de Comminges. A fim de levar a termo seu desígnio de modo satisfatório, era necessário monopolizar o sacristão da igreja durante o dia todo. O maceiro ou sacristão (prefiro esta última denominação, por mais inexata que seja) foi, portanto, chamado pela senhora um tanto rude que administra a pousada do Chapeau Rouge; e quando veio, o inglês viu nele um objeto de estudo inesperadamente interessante. Não era na aparência pessoal  do pequeno, seco e mirrado velho que residia o interesse, pois ele era exatamente igual a dúzias de outros guardiões de igreja da França, mas num ar curiosamente furtivo, ou antes de alguém enxotado e oprimido, que ele demonstrava. Lançava incessantes olhares de soslaio atrás de si; os músculos de suas costas e de seus ombros pareciam  arquear-se numa contração nervosa contínua, como se à espera de, a qualquer momento, ver-se nas garras de um inimigo. O inglês não conseguia decidir-se quanto a considerá-lo um homem acossado por uma idéia fixa, ou alguém oprimido por uma consciência culpada, ou ainda, um marido intoleravelmente repreendido. A avaliação das probabilidades certamente apontava para essa última; mas mesmo assim a impressão era mais a de um  opressor terrível do que a de uma esposa rabugenta. 
    Contudo, o inglês (chamemo-lo   Dennistoun) logo estava demasiado absorto  com seu   caderno   e demasiado ocupado com sua  câmera para dar mais do que uma ocasional olhada de relance para o sacristão. Toda vez que o olhava, encontrava-o perto, quer apertando-se contra a parede ou agachando-se em um dos imponentes baias do coro. Dennistoun ficou um tanto impaciente após um tempo. Suspeitas várias de que estava impedindo o velho de fazer seu desjejum, de que poderia evadir-se com a croça de marfim de St. Bertrand ou com o crocodilo empalhado e empoeirado que pendia sobre a fonte começaram a incomodá-lo. 
    “Você não quer ir para casa?”, disse ele por fim. “Posso  muito bem terminar minhas anotações sozinho; você pode trancar-me aqui dentro, se quiser. Vou precisar de pelo menos duas horas mais aqui e acho que está frio para você, não?”
    “Cruzes!”, disse o homenzinho, a quem a sugestão pareceu lançar num estado de inexprimível terror, “nem por um momento pode-se pensar nisso. Deixar o  monsieur sozinho na igreja? Não, não; duas horas, três horas, não fazem   diferença  para   mim.   Já   fiz   meu   desjejum,   não   estou   absolutamente com frio, muito obrigado, monsieur.”
    “Muito bem, meu homenzinho”, disse Dennistoun para si, “você já foi avisado e deve aceitar as conseqüências.”
    Antes que se expirassem as duas horas, o enorme órgão em ruínas, o anteparo do coro do bispo João de Mauléon, os vestígios de vidro e de tapeçaria e os objetos  da câmara do tesouro haviam todos sido examinados com cuidado e detalhadamente;  com   o   sacristão   ainda   aos   calcanhares   de Denninstoun e vez por outra a virar-se repentinamente cada vez que ouvia um dos estranhos ruídos que perturbam um amplo e vazio edifício como se sentisse uma estocada. Ruídos estranhos havia, por vezes.
    “Eu poderia jurar”, disse-me Dennistoun, “ter ouvido uma vez o som de um riso alto metálico na torre”. Lancei um olhar interrogativo para meu sacristão. Seus lábios estavam brancos. “É ele — isto é —, não é ninguém; a porta está trancada”, foi tudo que ele disse, e olhamos um para o outro durante um minuto inteiro.
    Um outro pequeno incidente intrigou bastante Dennistoun. Ele estava examinando um grande quadro escuro pendurado atrás do altar, um de uma série que ilustra os milagres de São Beltrão. A composição do quadro é quase indecifrável, mas há uma legenda em latim abaixo, que diz o seguinte:
    “Qualiter  S. Bertrandus liberavit hominem quem diabolus diu volebat strangulare” (Como São Beltrão libertou um homem a quem o Diabo há muito tentava estrangular).
     Dennistoun voltou-se para o sacristão com um sorriso e uma observação jocosa qualquer em seus lábios, mas ficou surpreso ao ver o velho de joelhos, olhando  fixamente para o quadro com os olhos de um suplicante aflito, as mãos postas muito apertadas e um dilúvio de lágrimas nas faces.
    Dennistoun instintivamente fingiu que nada notara, mas não conseguia deixar de fazer-se  a  pergunta:  “Por   que  uma   pintura   grosseira   assim   afetaria tanto alguém?” Ele pareceu chegar a algum tipo de pista quanto ao motivo do estranho olhar que o intrigara o dia todo: o homem deve ser um monomaníaco; mas qual seria sua monomania?
    Eram quase cinco horas; o curto dia estava findando, e a igreja começou a encher-se de sombras, enquanto os ruídos estranhos — os sons abafados de passos e as vozes falando à distância que haviam sido perceptíveis durante todo o dia — pareciam, sem dúvida em virtude da diminuição da luz e o   conseqüente  aguçamento  da   audição,   tornar-se   mais   freqüentes  e insistentes.
    O sacristão começou pela primeira vez a mostrar sinais de pressa e impaciência.  Deu   um   suspiro de alívio quando a câmera e o caderno foram finalmente acondicionados e guardados e  apressadamente acenou para Dennistoun em direção à porta da igreja, sob a torre. Era a hora de soar o Ângelus. Uns   poucos   puxões  na corda   relutante,  e o grande  sino bertrandense, no alto da torre, começou a falar e elevou sua voz cantante acima dos pinheiros, e por sobre os vales, alta como os riachos da montanha, chamando os habitantes daquelas colinas solitárias a recordar e repetir a saudação do anjo àquela a quem ele chamou de Abençoada dentre as mulheres. Com isso, um silêncio profundo pareceu cair pela primeira vez no dia sobre a pequena cidade, e Dennistoun e o sacristão saíram da igreja. Na soleira, iniciaram   uma   conversa.  “Monsieur  pareceu   interessar-se   pelos   velhos   livros   do coro na sacristia.”
    “Sem dúvida. Eu estava para lhe perguntar se há uma biblioteca na cidade.”
   “Não, monsieur, talvez houvesse uma pertencente ao Cabido, mas é  agora   um  lugar  tão  pequeno...”  Aqui   ocorreu   o   que   pareceu   uma   estranha pausa de hesitação; então, com uma espécie de salto no escuro, ele continuou: “Mas se monsieur é amateur des viex livres, eu tenho em casa algo que poderia interessar-lhe. Não chega a cem jardas.”
   Imediatamente todos os acalentados sonhos de Dennistoun de encontrar  inestimáveis   manuscritos   nos   cantos  inexplorados   da   França   iluminaram-se, para morrer novamente no momento seguinte. Era provavelmente um simplório missal da impressão de Plantin, de cerca de 1580. Qual probabilidade havia de que um lugar tão próximo a Toulouse não houvesse sido vasculhado há muito tempo por  colecionadores? Todavia, seria tolice não ir; ele provavelmente depois se censuraria para sempre por ter recusado o convite. E assim partiram. A caminho, a estranha hesitação e súbita determinação do sacristão ocorreu novamente a Dennistoun, e ele se perguntou,   envergonhado, se estaria sendo atraído por um engodo até alguns arredores para ser morto como um inglês supostamente rico. Começou, portanto, a conversar com seu guia e trouxe à baila, de uma maneira bastante desajeitada, o fato de que aguardava dois amigos para a manhã seguinte bem cedo. Para sua surpresa, a notícia pareceu aliviar o sacristão imediatamente de alguma aflição que o oprimia.
    “Ótimo”, disse ele vivamente —  “muito, muito bom. Monsieur viajará na  companhia   de   seus   amigos;   eles   sempre   estarão   juntos   de   si.  É  muito bom viajar assim, em companhia — algumas vezes.”
    A última palavra pareceu ser acrescentada como uma reflexão tardia, e trazer consigo uma recaída na melancolia do pobre homenzinho.
    Logo   chegaram   a   casa,   que   era   um   pouco   maior   do  que   as vizinhas, feita de pedra, com um brasão gravado sobre a porta, o brasão de Alberic de Mauléon, um descendente colateral, segundo me informou Dennistoun, do bispo   João   de  Mauléon.   Esse   Alberic   fora   um   cônego   de   Comminges   de 1680 a 1710. As janelas superiores da mansão estavam fechadas com tábuas, e o lugar todo portava, como tudo o mais em Comminges, o aspecto de velhice decadente. Chegando à soleira, o sacristão deteve-se por um instante.
    “Talvez,” disse ele, “talvez, afinal, monsieur não tenha tempo?”
    “Absolutamente — muito tempo — nada a fazer até amanhã. Vejamos o que você tem aí.”
     A   porta   abriu   neste   instante,   e   um   rosto   apareceu,   um   rosto   muito mais jovem do que o do sacristão, mas a mostrar a mesma fisionomia angustiada; mas aqui parecia ser a marca, não tanto do receio pela segurança pessoal quanto de grande preocupação por outrem. A possuidora do rosto era claramente filha do  sacristão; e,  salvo pela expressão que descrevi, era uma   moça   bastante   bonita. Sua  fisionomia iluminou-se consideravelmente ao ver seu pai acompanhado de um estranho saudável. Pai e filha trocaram algumas observações, das quais Denninstoun captou apenas estas palavras, ditas  pelo  sacristão:  “Ele   estava   rindo   na   igreja”,  palavras   que   foram   respondidas apenas por um olhar de terror da moça.
    Mas logo eles estavam na sala de estar da casa, um aposento pequeno e de pé-direito alto, com piso de pedra, cheio de sombras moventes, lançadas pelas toras ardentes que tremulavam numa grande lareira. Um crucifixo alto, que quase alcançava o teto, num dos lados, dava-lhe um certo toque de oratório; a imagem estava pintada em cores naturais, a cruz era negra. Sob esta, havia uma cômoda um tanto antiga e maciça, e quando se trouxe um candeeiro e se colocaram as cadeiras, o sacristão foi até essa cômoda e dela tirou, com crescente excitação e nervosismo, segundo pareceu a Dennistoun, um livro   grande,   embrulhado   num  pano   branco,  no qual com linha   vermelha estava   bordada   toscamente  uma  cruz. Mesmo   antes   de   removido  o pano, Dennistoun começou a interessar-se pelo tamanho e pela forma do volume. “Muito grande para um missal”, pensou ele, “e não tem a forma de um antifonário; talvez seja algo bom, afinal.” No momento seguinte, o livro estava aberto, e Dennistoun sentiu que conseguira por fim dar com algo excepcional. Diante dele estava um grande fólio, encadernado, talvez, em fins do século   dezessete,  com  as  armas  do  cônego   Alberic   de   Mauléon estampados em ouro nos lados. Havia provavelmente umas cento e cinqüenta folhas de papel no livro, e em quase todas estava presa uma folha de um manuscrito ornamentado. Dennistoun jamais sequer sonhara, mesmo em seus sonhos mais delirantes, em deparar-se com uma tal coleção. Ali estavam dez folhas de uma cópia do Gênese, ilustradas com imagens, que não podiam ser posteriores a 700 d.C. Além disso, havia um conjunto completo de imagens de um Saltério, de origem inglesa, da espécie mais refinada que o século treze poderia produzir; e,  talvez o melhor de tudo, havia vinte folhas de escrita uncial   em   latim,   as   quais,  como   umas   poucas   palavras   vistas   aqui  e lá lhe disseram imediatamente, deviam pertencer a algum tratado patrístico desconhecido muito antigo. Seriam um fragmento da cópia do Sobre as palavras do Senhor, de Papias, a qual, sabe-se, teria existido até o século doze em Nîmes (1)?
De   qualquer   modo,  ele   já se   decidira: aquele   livro   devia   voltar   para   Cambridge com ele, ainda que precisasse sacar o total de seu dinheiro do banco e ficar em Saint Bertrand até que o dinheiro chegasse. Ele olhou para o sacristão para ver se seu rosto mostrava algum sinal de que o livro estava à venda. O sacristão estava pálido e seus lábios contraídos.
    “Se monsieur olhar o fim”, disse ele. Assim, monsieur folheou as páginas, nas quais encontrou sucessivos tesouros, e no fim do livro encontrou duas folhas de papel, de data muito mais recente do que as vistas até aquele momento, o que muito o intrigou. Elas devem ser contemporâneas, concluiu,
ao inescrupuloso cônego Alberic, que sem dúvida saqueara a biblioteca do Cabido de Saint Bertrand para compor seu inestimável livro de recortes. Na primeira das folhas de papel estava um plano, cuidadosamente desenhado e imediatamente identificável por  alguém que conhecesse o terreno, da nave sul e dos claustros de Saint Bertrand.
    Havia sinais estranhos que se assemelhavam a símbolos planetários e umas   poucas  palavras   em   hebraico,   nos   cantos;   e   no   ângulo   noroeste   do claustro   estava   uma  cruz   desenhada   com   tinta   dourada. Abaixo da planta havia algumas linhas de escrita em latim, que diziam o seguinte:
    “Responsa 12mi Dec. 1694. Interrogatum est: Inveniamne? Responsum est: Invenies. Fiamne   dives?   Fies.   Vivamne   invidendus?   Vives.   Moriarne   in   lecto   meo?  Ita” (Respostas   de   12   de   dezembro,   1694.   Foi   perguntado:   Eu   o   encontrarei? Resposta: Vós o encontrareis. Ficarei rico? Ficareis. Serei objeto de inveja? Sereis. Morrerei em minha cama? Morrereis.).
    “Um bom espécime do registro do caçador de tesouro — lembra-me muito um do sr. Cônego Menor Quatremain na antiga igreja de Saint Paul”, foi o comentário de Dennistoun, e virou a página.
    O que ele então viu impressionou-o, como ele me disse repetidas vezes, mais do que imaginaria ser capaz qualquer desenho ou figura. E, embora o desenho   que   viu   não   mais   exista,   há   uma   fotografia   dele (que eu possuo) que sustenta essa afirmação. A imagem em questão era um desenho em sépia do fim do século dezessete, representando, dir-se-ia a uma primeira vista, uma cena bíblica; pois a arquitetura (o desenho representava um interior) e as figuras possuíam aquele ar semiclássico que os artistas de duzentos anos atrás julgavam apropriado às ilustrações da Bíblia. À direita estava um rei em seu trono acima de uma escada de doze degraus, coberto por um baldaquino, leões em ambos os lados — evidentemente o rei Salomão. Ele estava inclinado para frente, com o cetro estendido, numa atitude de comando; seu rosto exprimia horror e repugnância; contudo, havia também nele a marca de vontade imperiosa e confiança em seu poder. A parte à esquerda do quadro era todavia a mais estranha. O interesse claramente centrava-se ali. No plano diante do trono estavam   agrupados   quatro   soldados,   cercando   uma figura  agachada que será logo descrita. Um quinto soldado jazia morto no chão, seu pescoço retorcido e os globos oculares saltando de sua cabeça. Os quatro guardas em volta estavam olhando para o rei. Em suas faces, o sentimento de horror era mais intenso; eles pareciam, na verdade, apenas paralisados pela  confiança implícita em seu senhor. Todo esse terror era claramente provocado pelo ser agachado entre eles. Não tenho palavras  para descrever a impressão que essa figura produz em qualquer pessoa que olhe para ela. Recordo-me de  ter mostrado uma vez a fotografia do desenho a um estudioso de morfologia — uma pessoa, ia eu dizendo, de espírito excepcionalmente são e avesso a fantasias. Ele peremptoriamente recusou-se a ficar sozinho pelo resto daquela noite e contou-me depois que, durante muitas noites, não ousara apagar a luz antes de ir dormir. No entanto, os traços principais da figura posso ao menos   indicar. A princípio, via-se somente uma massa de cabelos negros grossos e emaranhados, mas depois notava-se que eles cobriam um corpo de incrível magreza, quase um esqueleto, mas com os músculos a sobressaírem como arames. As mãos eram de uma palidez arenosa, cobertas, como o corpo, de pêlos longos e grossos e horrendamente providas de garras. Os olhos, matizados de um amarelo flamejante, tinham pupilas de um negro intenso e estavam fixas no rei ao trono, com um olhar de ódio feroz. Imagine-se uma das horrendas aranhas caranguejeiras da América do Sul, traduzida para a forma humana e dotada de inteligência um pouco abaixo da humana, e ter-se-á uma fraca idéia do terror inspirado por  essa  efígie  aterrorizadora. Uma observação comum é feita  por aqueles a quem mostrei a imagem: “Foi desenhada do natural”.
    Assim que o primeiro choque desse susto diminuiu, Dennistoun lançou um olhar furtivo para seus anfitriões. As mãos do sacristão estavam apertadas contra seus olhos; sua filha, os olhos alçados para a cruz na parede, estava febrilmente rezando seu terço.
       Por fim, perguntei: “Este livro está à venda?”
    Houve a mesma hesitação, o mesmo salto de determinação que ele tivera anteriormente e então veio a resposta bem-vinda. “Se o monsieur o quiser.”
    “Quanto você pede por ele?”
    “Aceitarei duzentos e cinqüenta francos.”
    Era embaraçoso. Até mesmo a consciência de um colecionador é por vezes afetada, e a consciência de Dennistoun era mais forte do que a de um colecionador.
    “Meu  bom   homem!”,  disse  ele  repetidamente, “seu   livro  vale  muito mais do que dois mil e quinhentos francos asseguro-lhe. Muito mais.”
     Mas a resposta não mudou:  “Aceitarei duzentos e cinqüenta francos, não mais”.
    Não havia realmente nenhuma possibilidade de recusar uma oportunidade como aquela. O dinheiro foi pago, o recibo assinado, um copo de vinho bebido em honra à transação e então o sacristão pareceu transformar-se em outro homem. Endireitou o corpo, cessou de lançar aqueles olhares de suspeita  atrás de si,  na verdade riu ou tentou  rir.  Dennistoun  levantou-se para partir.
    “Terei a honra de acompanhar monsieur ao seu hotel?”, disse o sacristão.
    “Ah!, não, obrigado! São menos de cem jardas. Conheço muito bem o caminho e há luar.”
     A oferta foi repetida três ou quatro vezes e todas elas recusadas.
    “Então, monsieur me chamará se —  se precisar; caminhe pelo meio da estrada, pois as margens são muito irregulares.”
    “Certamente,   certamente”, disse Dennistoun, que estava impaciente para examinar seu troféu sozinho; e ele atravessou o corredor com o livro sob o braço.
    Lá a filha do sacristão o esperava; ela, parecia, estava ansiosa para concretizar uma transação de sua própria iniciativa; talvez, como Gehazi, “levar mais algum” do estranho a quem seu pai poupara.
    “Um crucifixo de prata e uma corrente para o pescoço; monsieur faria a gentileza de aceitá-los?”
    Bem, na verdade, essas coisas não teriam muita serventia para Dennistoun. “Quanto mademoiselle queria por elas?”
     “Nada, nada mesmo. Monsieur nada me deve por elas.”
     O tom com que isso e muito mais foi dito era claramente sincero, e assim Dennistoun foi obrigado a exprimir seus agradecimentos e a pôr a corrente em volta de seu pescoço. Parecia que ele realmente prestara ao pai e à filha   algum  favor que eles mal sabiam como recompensar. Enquanto ele partia com seu livro eles ficaram à porta, cuidando dele e ainda estavam olhando quando ele acenou-lhes em despedida, nos degraus do Chapeau Rouge.
    O jantar havia terminado, e Dennistoun estava em seu quarto, fechado sozinho com sua aquisição. A senhoria manifestara um especial interesse nele desde que ele lhe dissera ter visitado o sacristão e comprado dele um livro antigo. Ele julgou também ter ouvido um diálogo apressado entre ela e o dito sacristão no corredor fora da salle à manger, algumas palavras, seguidas por “Pierre e Bertrand dormiriam na casa”, que encerrara a conversa.
    Todo esse tempo, uma sensação crescente de desconforto estivera tomando conta dele — reação nervosa, talvez, após o prazer de sua descoberta. Fosse  como fosse, resultou numa convicção de que havia alguém atrás dele e de que ele estava muito mais confortável com suas costas voltadas para a parede. Tudo isso, é claro, pesava pouco na balança, em vista do valor da coleção que ele adquirira. E agora, como eu disse, ele estava a sós em seu   quarto, avaliando os  tesouros do cônego Alberic, nos quais cada momento revelava algo mais encantador.
    “Bendito cônego Alberic!”, disse Dennistoun, que tinha um hábito inveterado de falar consigo mesmo.  “Onde estará ele agora? Meu Deus! Eu gostaria que a senhoria aprendesse a rir de um modo mais agradável; ela faz sentir como se houvesse alguém morto na casa. Meia cachimbada mais, você diz? Acho que talvez você tenha razão. Que crucifixo é aquele que a jovem insistiu em me dar? Do século passado, imagino. Sim, provavelmente.
    É uma maçada tê-lo em volta do pescoço — pesado demais. É provável que seu pai o usou durante anos. Acho que poderia limpá-lo um pouco antes de tirá-lo.”
   Ele tirara o crucifixo e o pusera sobre a mesa, quando sua atenção foi atraída por um objeto que estava sobre o pano vermelho, perto de seu cotovelo esquerdo. Duas ou três idéias sobre o que ele poderia ser perpassaram sua cabeça com uma rapidez incalculável e singular.
    “Um mata-borrão? Não, não nesta casa. Um rato? Não, preto demais. Uma  aranha   grande? Deus   queira que não  —  não.  Deus meu! Uma mão como a daquele desenho!”
    Num outro átimo, ele o entendeu. Pele pálida, arenosa, a cobrir nada senão ossos e tendões de uma força espantosa; pêlos negros e ásperos, mais longos do que os que jamais cobriram uma mão humana; unhas que avançavam das pontas dos dedos e curvavam-se em ângulo agudo para baixo e para frente, cinzentas, córneas e rugosas.
    Ele pulou da cadeira com um terror mortal, inconcebível, a apertar seu coração. A forma, cuja mão esquerda jazia sobre a mesa, estava elevando-se a  uma postura ereta atrás de seu assento,os cabelos ásperos cobriam-na, como no desenho. A mandíbula era fina — como diria eu? — rasa, como a de uma fera; os dentes mostravam-se atrás dos lábios negros; não havia nariz; os olhos, de um amarelo flamejante, contra os quais as pupilas eram negras e intensas, e o ódio exultante e a sede para destruir a vida que lá brilhava, eram os traços  mais aterradores de toda a visão. Havia uma espécie de inteligência neles — inteligência para além da que possui uma fera e abaixo da que possui um homem.
    Os   sentimentos   que   esse   horror   incitou   em   Dennistoun   eram   os   do mais intenso medo físico e da mais profunda repugnância mental. O que ele fez? O que podia fazer? Ele nunca soube muito bem que palavras proferiu, mas sabe que falou, que agarrou cegamente o crucifixo de prata, que estava consciente de um movimento em sua direção da parte do demônio, e de que gritou com a voz de um animal em agonia medonha.
    Pierre e Bertrand, os dois pequenos criados vigorosos, que acorreram, nada viram, mas sentiram-se empurrados por algo que passava entre ambos, e encontraram  Dennistoun   desfalecido. Velaram-no naquela   noite, e seus dois amigos chegaram a São Beltrão por volta das nove horas na manhã seguinte. Ele próprio, embora ainda trêmulo e nervoso, já estava quase restabelecido àquela hora, e sua   história  mereceu   o   crédito   deles,   embora   não antes que vissem o desenho e falassem com o sacristão.
    Quase ao amanhecer, o homenzinho viera à hospedaria sob um pretexto e ouvira com o mais profundo interesse a história contada com detalhes pela senhoria. Ele não mostrou surpresa.
    “É ele... é ele! Eu também já o vi”, foi seu único comentário; e a todas as perguntas respondeu apenas: “Deux fois je l’ai vu; mille fois je l’ai senti ”. Ele não quis lhes contar qual a origem do livro, nem quaisquer detalhes de suas experiências. “Logo dormirei, e meu repouso será agradável. Por que vocês me perturbariam?”, disse ele. (2)
     Nunca saberemos o que ele ou o cônego Alberic de Mauléon passaram. No verso daquele desenho sinistro haviam  algumas linhas manuscritas que podem lançar alguma luz sobre o caso:

                      “Contradictio Salomonis cum demonio nocturno.
                              Albericus de Mauleone delineavit.
                          V. Deus in adiutorium. PS. Qui habitat.
            Sancte Bertrande, demoniorum effugator, intercede pro me miserrimo.
                              Primo uidi nocte 12mi  Dec. 1694:

                           uidebo mox ultimum. Peccaui et passus
                       sum,plura adhuc passurus. Dec. 29, 1 701”. (3)                            
 
    
    O  "Gallia   Christiana"  dá   como data do   falecimento do   Cônego a   data de   31 de dezembro de 1701, "na cama, de um ataque súbito". Detalhes dessa espécie não são comuns na grande obra de Sammarthani (N.A.). 
 
    Nunca compreendi inteiramente como Dennistoun vivenciou os fatos que narrei. Uma vez citou um trecho de Eclesiastes: “Alguns espíritos foram criados para a vingança, e, em sua fúria provocam as chagas e os golpes”. Em outra ocasião  falou: Isaias foi um homem muito sensível; nunca disse nada sobre espíritos noturnos nas ruínas da Babilônia. Estas coisas estão fora de nosso entendimento”.
    Fiquei impressionado também com outra de suas confidencias e senti pena dele. No ano passado estivemos em Comminges e fizemos uma visita ao túmulo do Cônego Alberic. É grande, feito de mármore, com a efígie do Cônego com uma grande peruca e manto clerical, e um elaborado elogio à sua sabedoria. Vi Dennistoun conversando com o vigário de São Beltrão e ao partirmos disse-me: “Espero não estar enganado, pois, como sabes, sou presbiteriano, mas penso que eles rezam missa e cantam lamentações pelo descanso da alma de Alberic de Mauléon”, acrescentando, no tom do norte da Inglaterra, “mas parece que não o apreciam de verdade”.
    O livro acha-se na Coleção Wentworth, da Universidade de Cambridge. A gravura foi queimada por Dennistoun no dia em que partiu de Comminges por ocasião da sua primeira visita.
 


(1) Sabemos agora que essas folhas citadas contêm um fragmento considerável dessa obra, mas não possuímos cópia (N.A.). 
(2) Ele morreu naquele verão; sua filha casou-se e estabeleceu-se em São Papoul. Ela jamais entendeu as circunstâncias da “obsessão” do seu pai (N.A.)
(3) “A Luta de Salomão com um demônio da noite. Desenhada por Alberic de Mauléon. Versículo. Oh, Senhor, apresse-se em meu auxílio. Salmo. „Quem quer que habite‟ [xci]. São Beltrão, que combateu aos demônios voadores, reza por mim, o maior dos infelizes. Eu o vi pela primeira vez na noite de  12 de dezembro de 1694; logo o verei de novo pela última vez. Pequei, sofri e ainda tenho de sofrer mais. 29 de dezembro de 1701.”